sexta-feira, 24 de outubro de 2008




  No dia 9 de novembro, às 13 horas, estudantes de Instituições de Ensino Superior(IES) de todo o Brasil farão a prova do ENADE, o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes. O ENADE foi criado em 2004 para substituir o Provão, que também avaliava estudantes de graduação. E desde o ano de sua criação, o ENADE vem sendo alvo de boicote do movimento estudantil. Aliás, o boicote a este exame tem a proeza de ser uma das poucas pautas consensuais entre os diversos grupos do movimento.

 E que razões um estudante selecionado para prestar o exame tem para boicotá-lo?

     Em primeiro lugar, é importante analisar o histórico das avaliações de ensino superior no Brasil. A primeira iniciativa neste sentido foi no governo Itamar Franco. Foi o Programa de Avaliação Institucional das Universidades Brasileiras (Paiub) de 1993. Esse programa previa 3 etapas de avaliação das universidades (uma interna, seguida de uma externa, e uma terceira que conjugava as duas primeiras) com foco único no ensino de graduação.

Então veio o governo FHC e seu ministro da Educação Paulo Renato. Entre os desastrosos resultados desta gestão para a educação pública brasileira, esteve a criação do famigerado Exame Nacional de Cursos, o Provão. O Provão surgiu com uma lógica punitiva, na qual os formandos faziam uma prova obrigatória de cohecimentos técnicos com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino das IES (istituições de ensino superior). A partir dessa avaliação as notas dos estudantes geravam o rankeamento das universidades, destinando menos recursos às IES que alcançassem piores resultados! Como se não bastasse, essa lógica perversa à educação acabava por  orientar a educação superior brasileira ao molde que era o provão, criando cursinhos pré-provão.Este tipo de avaliação sofreu intenso boicote.

Veio então, no Governo Lula, a criação do SINAES, o Sistema Nacional de Educação Superior, com a proposta de um novo tipo de avaliação. Essa proposta consiste em uma tripla avaliação: avaliação das instituições, dos cursos e dos estudantes. O problema é que, da criação desse modelo, que de fato foi um avanço em relação ao anterior, três emendas parlamentares criaram o ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), quemais parece uma reedição do Provão.

Tá, saquei o contexto, mas o que esse tal de ENADE tem de tão ruim afinal?

    A lógica do ENADE é a mesma do Provão: responsabilizar o estudante pelos problemas do ensino superior e não propor caminhos alternativos pra melhoria da educação superior brasileira. Como se sabe, a Universidade se sustenta sobre o tripé Ensino-Pesquisa-Extensão, uma trinca indissociável. O ENADE avalia apenas o Ensino, e é daí que se avaliará se uma Universidade é boa ou não. É princípio básico da educação superior brasileira a formação cidadã, ou seja, o conhecimento técnico que temos é uma parte da educação. Nesse sentido, as atividades de extensão e de pesquisa são centrais para o nosso desenvolvimento. O ENADE simplesmente ignora isso, uma vez que a prova só avalia o ensino que tivemos, desconsiderando toda a vivência universitária.      O ENADE, assim como o Provão, insere-se em uma lógica produtivista, em que se destinam mais verbas às IES com melhor resultado, que são inclusive colocadas em um ranking. Nota-se que a lógica por trás disto é completamente torta. Se uma Universidade alcança bons resultados, recebe mais verba, se alcança maus resultados, menos. Ora, será que não ocorreu a ninguém que os resultados ruins podem justamente ser fruto da falta de verbas? O resultado disto é que algumas IES já chegaram, assim como no provão, a oferecer cursinhos preparatórios para o ENADE! Reparem como isto simplesmente tira o sentido da avaliação.      Tal qual o Provão, o ENADE aplica o mesmo tipo de prova a todas as IES do Brasil, ignorando assim as peculiaridades acadêmicas e regionais do país. A existência de Comissões Assessoras nacionais que formulam as provas marca claramente o caráter excludente dessa prova. Em várias áreas do conhecimento temos na diversidade e na multiplicidade de formas de construção de conceitos e teorias a sua base de pensamento. Elaborar uma prova única, obrigatória e nacional acaba com a possibilidade de diferentes visões nessa avaliação, assim como desconsidera as diferenças regionais existentes no país. É na complementaridade da nossa cultura que se forma o brasileiro, e desconsiderar isso é, mais uma vez, inserir a educação brasileira em uma lógica fordista que não estimula a formação cidadã.

Qual a solução então? Abolir as avaliações?

    Não, de forma alguma. As avaliações são sim fundamentais, mas não da forma como vem sendo feitas desde o governo FHC. A avaliação deve ser uma das etapas de uma política pública, dessa forma ela serve pra averiguar os principais problemas daquela instituição, para assim resolvê-los. Levando em conta as diferenças regionais, a totalidade da educação (dentro do seu tripé ensino-pesquisa-extensão), aspectos estruturais de cada IES e, sobretudo, evitar ao máximo inserir as IES e os estudantes em um contexto de competição. Deve, então, abolir o ranqueamento das IES.

E como eu posso boicotar o ENADE?


    Em primeiro lugar, confira se você foi selecionado para prestar o exame. Foram selecionados calouros e formandos de treze cursos. Procure essa informação na secretaria do seu curso, lá eles vão te informar. Se for selecionado, não basta simplesmente deixar de ir ao local de prova. Isto pode acarretar problemas posteriores, e fica marcado no histórico. No entanto, ao contrário do que dizem alguns, a nota de um estudante no ENADE não é (e nem pode ser) divulgada. O meio de boicotar então, é ir ao local de prova no dia marcado, e deixar a criatividade correr solta na folha da prova. Pode simplesmente deixar a prova em branco, colar os adesivos do boicote que serão distribuídos em vários dos locais de prova, desenhar um grande zero. Enfim, de acordo com a criatividade de cada um. O que importa é manifestar que somos contra  a este modelo de avaliação falido, que em nada contribui para o desenvolvimento do ensino superior no Brasil. Lembrem-se então, dia 9 de novembro é dia de protesto. O Provão já caiu, o ENADE é o próximo.

Victor Tretter é estudante de Ciência Política e boicotaria o ENADE se pudesse.

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