
Nós, do Coletivo (Re)Construindo o Cotidiano, trazemos esse texto sobre Universidade Nova, que foi discutido e refeito ao longo de várias de nossas reuniões. A metodologia utilizada foi: reafirmar os aspectos interessantes do projeto, criticar propostas que consideramos equivocadas e trazer novas reflexões sobre um modelo de Universidade que defendemos.
Apresentamos algumas considerações no intuito de iniciar esta discussão, visto que infelizmente este tema ainda não tomou a pauta do Movimento Estudantil da UnB. É urgente que essa discussão seja feita, já que este projeto está sendo implementado nos novos campi e em processo de deliberação nos conselhos da universidade. Vamos ao debate!
1- CONCEPÇÃO DO PROJETO DE UNIVERSIDADE NOVA:
“Propõe-se uma estrutura nova da formação universitária, para dar-lhe unidade orgânica e eficiência maior. O aluno que vem do curso médio não ingressará diretamente nos cursos superiores profissionais. Prosseguirá sua preparação científica e cultural em Institutos de pesquisa e de ensino, dedicados às ciências fundamentais. Nesses órgãos universitários, que não pertencem a nenhuma Faculdade, mas serve a todas elas, o aluno buscará, mediante opção, conhecimentos básicos indispensáveis ao curso profissional que tiver em vista prosseguir. (Naomar de Almeida Filho – Reitor da Universidade Federal da Bahia)”.
-Soberania nacional: A proposta de Universidade Nova se baseia no modelo de Bolonha (de unificação universitária na Europa), contanto, acreditamos que a universidade deve dominar, ampliar e difundir o saber humano, não apenas reproduzindo conhecimentos e técnicas trazidas de outros países, mas promovendo a autonomia da comunidade nacional. Por isso, temos que ter cautela sobre a importação desta proposta, pois esta deve ser adaptada a nossa realidade concreta.
-Papel de uma universidade democrática e popular que acreditamos: Acreditamos que a função da Universidade é ser crítica. Isso significa mais que coragem e autenticidade em servir autonomamente às reais necessidades e objetivos da sociedade a que pertencem. Essa função atinge tanto os campos do saber, da tecnologia, da arte, como do poder e a ordem social. O atual modelo de Universidade está reafirmando uma miniatura da sociedade global: uma escola altamente hierarquizada, rígida e exclusivista, que transforma o saber em símbolo de distância social e a atividade educacional em fonte de poder.
- Formação profissional: A formação a ser recebida na universidade deve tornar o indivíduo capaz de dialogar e se adaptar a constantes mudanças nas diferentes áreas do conhecimento e a partir do campo do saber escolhido, este possa atuar em uma realidade interdisciplinar. Logo, valorizamos iniciativas neste sentido para dentro dos currículos. O projeto Universidade Nova também possibilita que o indivíduo chegue ao doutorado/mestrado sem nunca ter a passado pela vida profissional e sem o conhecimento da realidade desta. A qualidade do profissional não é acessória a formação acadêmica, mas integrante desta, que inclui o profissional capaz e cidadão ativo.
2- NOVO MODELO ORGANIZACIONAL PARA UnB:
“Uma das principais inovações da Universidade Nova é a estrutura dos cursos. A idéia é que os estudantes tenham acesso à universidade por meio de uma formação universitária inicial e, na seqüência, realizem formação em uma grande área de conhecimento – como Saúde, Humanidades ou Ciências –, que deve durar três anos. Após essa etapa, os estudantes poderão escolher uma formação profissional específica e complementarem o curso pretendido. A duração desta última etapa pode ser de um ou mais anos, dependendo do curso (Proposta de Reestruturação da Arquitetura Curricular da UnB)”.
- Mais vestibulares e mais competitividade? A UnB ainda não definiu precisamente qual será o método de seleção que permitirá ao estudante continuar sua formação acadêmica em todos os níveis, uma vez que não haverá vagas para que todos os que entrarem para o Bacharelado Interdisciplinar possam continuar sua formação nos demais níveis. Ou seja, será inevitável um segundo vestibular, mais seletivo e concorrido que o atual, dentro da universidade, ou ainda uma seleção interna baseada em menções, o que irá caracterizar uma forte meriotocracia entre os cursos e profissões, elitizando o ensino, na medida em que haverão profissionais de primeira e de segunda linha. Além disso, esse modelo muito provavelmente acarretará um aumento do mercado de cursinhos preparatórios bem como trará a competição e concorrência exacerbada entre os estudantes nas etapas iniciais da formação.
Defendemos a universalização do ensino superior, contudo, como esse é um objetivo de longo prazo, devemos aplicar políticas de inclusão, que articuladas com políticas de melhorias da educação básica e de ampliação de vagas no ensino irão beneficiar os setores historicamente excluídos da universidade. O estudante deve ainda ter condições de estudar, com a garantia do direito a assistência estudantil no sentido amplo: Casa do Estudante, bolsas, RU, biblioteca, etc.
- Crise de identidade? Ensino médio ou universidade? A Lei de Diretrizes e Bases de 1996 estabelece que a função do ensino médio é formar o estudante para a cidadania e para o aprendizado permanente no mundo do trabalho, e mais recentemente ainda, foram incorporadas aulas de Sociologia e Filosofia como obrigatórias. Contudo, a realidade mostra que o ensino médio particular se tornou um adestramento para passar no vestibular; já o ensino público está no limbo, não possui uma função clara, o estudante busca apenas o diploma. Uma formação básica entre os cursos de graduação é importante, porém por si só não pode ser considerado ensino superior, uma vez que este pressupõe também que o indivíduo formado seja apto a produzir ciência em alguma área do conhecimento.
3- A FORMAÇÃO ACADEMICA:
“Anísio Teixeira defendia que os estudantes entrassem para a universidade, e não para a formação profissional como ocorre hoje. Esses mesmos estudantes, ao chegarem ao nível superior, teriam currículo inicial humanista, que formasse o pensamento crítico, autônomo e amplo, preparando os jovens para escolher, conscientemente, suas profissões. “O que interessa, na formação dos jovens, é ampliar os horizontes”, (destaca o reitor da UnB, Timothy Mulholland)”.
- Flexibilização ou Fragmentação? No ciclo interdisciplinar é preciso não somente assegurar espaço para a implantação de novas disciplinas exigidas por mudanças filosóficas, científicas e sociais, como também organizar os cursos de maneira a assegurar que os estudantes possam circular pela universidade e construir livremente um currículo de disciplinas optativas que se articulem às disciplinas obrigatórias da área central de seus estudos, trabalhando a interdisciplinaridade. O tempo para leitura, pesquisa e extensão são componentes essenciais da formação acadêmica em todas as áreas do conhecimento e devem ser inerentes à formação em todas as suas etapas. O que é preocupante no projeto, é que podemos afirmar que por conta do grande aumento do número de estudantes por professor, boa parte dos estudantes nesta fase não terão oportunidade de fazer pesquisa e extensão devido à inviabilidade que ocorrerá na prática.
- Método pedagógico e inchamento das turmas: Uma educação emancipadora compreende também um outro modelo pedagógico baseado na participação, no diálogo, na construção do conhecimento, principalmente, a partir de objetivos traçados de forma coletiva, ou seja, práticas educativas que compreendam como sujeitos de conhecimento professores e estudantes. As grandes expectativas que temos ao entrar na Universidade em relação ao modelo pedagógico da sala de aula e a outros espaços de aprendizagem são frustradas pelo velho modelo de professor/a falando e escrevendo e estudante ouvindo e copiando, o inchamento das turmas vai agravar isto e ainda sobrecarregar os docentes.
4- AUTONOMIA E FINANCIAMENTO:
“A discussão sobre a Universidade e seu papel social e qual deve ser a nova arquitetura acadêmica deve ser amplamente debatida sem estar vinculado a busca de recursos imediatos, dado a importância e a abrangência do tema. Esta é uma discussão que tem que ser feita com tranqüilidade, com mente aberta e sem a existência de preconceitos. Afirmamos, ainda, que a principal pergunta sobre o ensino superior é qual o modelo de universidade que atende às necessidades brasileiras. Ressaltamos que, quaisquer que seja a opção adotada, serão necessários mais investimentos”. (FASUBRA: Seminário “Universidade Nova”, promovido pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, no dia 17/04/2007).
Autonomia e Gestão Democrática: A autonomia é entendida em três sentidos principais: como autonomia institucional (autonomia em relação aos governos); como autonomia intelectual (autonomia em relação a credos religiosos e imposições empresariais) e como autonomia financeira, que lhe permita destinar os recursos segundo as necessidades regionais e locais da docência, pesquisa e extensão. Essa autonomia só terá sentido se: internamente, houver o funcionamento democrático, transparente e público das instâncias de decisão; externamente, se as universidades realizarem, de modo público e em períodos regulares fixados, o diálogo e o debate com a sociedade civil organizada e com os agentes do Estado. Portanto, a Universidade Democrática Popular e autônoma significa um relacionamento estreito entre a universidade e a sociedade.
Qual financiamento? Precisamos de discussão aprofundada e autonomia:
O governo lançou um decreto que institui o projeto "REUNE" que
propõe que as universidades aumentem a relação aluno professor para, no mínimo, 18/01 com um investimento em custeio e pessoal de no máximo 20%, em troca de maiores investimentos.
Contudo, a maior parte das Universidades está em situação calamitosa, principalmente em termos de verba de custeio, o que exige que o MEC estabeleça um plano emergencial, comprometido com investimento substancial para a recuperação e ampliação das universidades.
Fica então o questionamento: Será o projeto Universidade Nova o modelo de Universidades que queremos? Temos autonomia para travar esta discussão? Na UnB, professores, estudantes e técnicos questionam a falta de democracia com que a proposta de Universidade Nova vem sendo apresentada. A reitoria apresenta um falso consenso nesta discussão, através de um marketing irresponsável. Queremos sim a mudança nas Universidades, com radicalização da democracia no acesso e nas instancias de decisão, uma universidade referenciada nas demandas sociais: um novo modelo de Universidade que seja capaz de superar este modelo excludente e conservador, não conciliado.
Bibliografia:Chaui,UniversidadePerspectiva; Proposta de Reestruturação da Arquitetura Curricular da UnB; Seminário “Universidade Nova”, promovido pela Câmara dos Deputados, no dia 17/04/2007.