quinta-feira, 17 de maio de 2007

Texto crítico sobre Universidade Nova apresentado no CEB do dia 17/05



Nós, do Coletivo (Re)Construindo o Cotidiano, trazemos esse texto sobre Universidade Nova, que foi discutido e refeito ao longo de várias de nossas reuniões. A metodologia utilizada foi: reafirmar os aspectos interessantes do projeto, criticar propostas que consideramos equivocadas e trazer novas reflexões sobre um modelo de Universidade que defendemos.
Apresentamos algumas considerações no intuito de iniciar esta discussão, visto que infelizmente este tema ainda não tomou a pauta do Movimento Estudantil da UnB. É urgente que essa discussão seja feita, já que este projeto está sendo implementado nos novos campi e em processo de deliberação nos conselhos da universidade. Vamos ao debate!

1- CONCEPÇÃO DO PROJETO DE UNIVERSIDADE NOVA:

“Propõe-se uma estrutura nova da formação universitária, para dar-lhe unidade orgânica e eficiência maior. O aluno que vem do curso médio não ingressará diretamente nos cursos superiores profissionais. Prosseguirá sua preparação científica e cultural em Institutos de pesquisa e de ensino, dedicados às ciências fundamentais. Nesses órgãos universitários, que não pertencem a nenhuma Faculdade, mas serve a todas elas, o aluno buscará, mediante opção, conhecimentos básicos indispensáveis ao curso profissional que tiver em vista prosseguir. (Naomar de Almeida Filho – Reitor da Universidade Federal da Bahia)”.

-Soberania nacional
: A proposta de Universidade Nova se baseia no modelo de Bolonha (de unificação universitária na Europa), contanto, acreditamos que a universidade deve dominar, ampliar e difundir o saber humano, não apenas reproduzindo conhecimentos e técnicas trazidas de outros países, mas promovendo a autonomia da comunidade nacional. Por isso, temos que ter cautela sobre a importação desta proposta, pois esta deve ser adaptada a nossa realidade concreta.

-Papel de uma universidade democrática e popular que acreditamos: Acreditamos que a função da Universidade é ser crítica. Isso significa mais que coragem e autenticidade em servir autonomamente às reais necessidades e objetivos da sociedade a que pertencem. Essa função atinge tanto os campos do saber, da tecnologia, da arte, como do poder e a ordem social. O atual modelo de Universidade está reafirmando uma miniatura da sociedade global: uma escola altamente hierarquizada, rígida e exclusivista, que transforma o saber em símbolo de distância social e a atividade educacional em fonte de poder.

- Formação profissional: A formação a ser recebida na universidade deve tornar o indivíduo capaz de dialogar e se adaptar a constantes mudanças nas diferentes áreas do conhecimento e a partir do campo do saber escolhido, este possa atuar em uma realidade interdisciplinar. Logo, valorizamos iniciativas neste sentido para dentro dos currículos. O projeto Universidade Nova também possibilita que o indivíduo chegue ao doutorado/mestrado sem nunca ter a passado pela vida profissional e sem o conhecimento da realidade desta. A qualidade do profissional não é acessória a formação acadêmica, mas integrante desta, que inclui o profissional capaz e cidadão ativo.

2- NOVO MODELO ORGANIZACIONAL PARA UnB:

“Uma das principais inovações da Universidade Nova é a estrutura dos cursos. A idéia é que os estudantes tenham acesso à universidade por meio de uma formação universitária inicial e, na seqüência, realizem formação em uma grande área de conhecimento – como Saúde, Humanidades ou Ciências –, que deve durar três anos. Após essa etapa, os estudantes poderão escolher uma formação profissional específica e complementarem o curso pretendido. A duração desta última etapa pode ser de um ou mais anos, dependendo do curso (Proposta de Reestruturação da Arquitetura Curricular da UnB)”.

- Mais vestibulares e mais competitividade? A UnB ainda não definiu precisamente qual será o método de seleção que permitirá ao estudante continuar sua formação acadêmica em todos os níveis, uma vez que não haverá vagas para que todos os que entrarem para o Bacharelado Interdisciplinar possam continuar sua formação nos demais níveis. Ou seja, será inevitável um segundo vestibular, mais seletivo e concorrido que o atual, dentro da universidade, ou ainda uma seleção interna baseada em menções, o que irá caracterizar uma forte meriotocracia entre os cursos e profissões, elitizando o ensino, na medida em que haverão profissionais de primeira e de segunda linha. Além disso, esse modelo muito provavelmente acarretará um aumento do mercado de cursinhos preparatórios bem como trará a competição e concorrência exacerbada entre os estudantes nas etapas iniciais da formação.
Defendemos a universalização do ensino superior, contudo, como esse é um objetivo de longo prazo, devemos aplicar políticas de inclusão, que articuladas com políticas de melhorias da educação básica e de ampliação de vagas no ensino irão beneficiar os setores historicamente excluídos da universidade. O estudante deve ainda ter condições de estudar, com a garantia do direito a assistência estudantil no sentido amplo: Casa do Estudante, bolsas, RU, biblioteca, etc.

- Crise de identidade? Ensino médio ou universidade? A Lei de Diretrizes e Bases de 1996 estabelece que a função do ensino médio é formar o estudante para a cidadania e para o aprendizado permanente no mundo do trabalho, e mais recentemente ainda, foram incorporadas aulas de Sociologia e Filosofia como obrigatórias. Contudo, a realidade mostra que o ensino médio particular se tornou um adestramento para passar no vestibular; já o ensino público está no limbo, não possui uma função clara, o estudante busca apenas o diploma. Uma formação básica entre os cursos de graduação é importante, porém por si só não pode ser considerado ensino superior, uma vez que este pressupõe também que o indivíduo formado seja apto a produzir ciência em alguma área do conhecimento.

3- A FORMAÇÃO ACADEMICA:

“Anísio Teixeira defendia que os estudantes entrassem para a universidade, e não para a formação profissional como ocorre hoje. Esses mesmos estudantes, ao chegarem ao nível superior, teriam currículo inicial humanista, que formasse o pensamento crítico, autônomo e amplo, preparando os jovens para escolher, conscientemente, suas profissões. “O que interessa, na formação dos jovens, é ampliar os horizontes”, (destaca o reitor da UnB, Timothy Mulholland)”.

- Flexibilização ou Fragmentação? No ciclo interdisciplinar é preciso não somente assegurar espaço para a implantação de novas disciplinas exigidas por mudanças filosóficas, científicas e sociais, como também organizar os cursos de maneira a assegurar que os estudantes possam circular pela universidade e construir livremente um currículo de disciplinas optativas que se articulem às disciplinas obrigatórias da área central de seus estudos, trabalhando a interdisciplinaridade. O tempo para leitura, pesquisa e extensão são componentes essenciais da formação acadêmica em todas as áreas do conhecimento e devem ser inerentes à formação em todas as suas etapas. O que é preocupante no projeto, é que podemos afirmar que por conta do grande aumento do número de estudantes por professor, boa parte dos estudantes nesta fase não terão oportunidade de fazer pesquisa e extensão devido à inviabilidade que ocorrerá na prática.

- Método pedagógico e inchamento das turmas: Uma educação emancipadora compreende também um outro modelo pedagógico baseado na participação, no diálogo, na construção do conhecimento, principalmente, a partir de objetivos traçados de forma coletiva, ou seja, práticas educativas que compreendam como sujeitos de conhecimento professores e estudantes. As grandes expectativas que temos ao entrar na Universidade em relação ao modelo pedagógico da sala de aula e a outros espaços de aprendizagem são frustradas pelo velho modelo de professor/a falando e escrevendo e estudante ouvindo e copiando, o inchamento das turmas vai agravar isto e ainda sobrecarregar os docentes.

4- AUTONOMIA E FINANCIAMENTO:


“A discussão sobre a Universidade e seu papel social e qual deve ser a nova arquitetura acadêmica deve ser amplamente debatida sem estar vinculado a busca de recursos imediatos, dado a importância e a abrangência do tema. Esta é uma discussão que tem que ser feita com tranqüilidade, com mente aberta e sem a existência de preconceitos. Afirmamos, ainda, que a principal pergunta sobre o ensino superior é qual o modelo de universidade que atende às necessidades brasileiras. Ressaltamos que, quaisquer que seja a opção adotada, serão necessários mais investimentos”. (FASUBRA: Seminário “Universidade Nova”, promovido pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, no dia 17/04/2007).

Autonomia e Gestão Democrática: A autonomia é entendida em três sentidos principais: como autonomia institucional (autonomia em relação aos governos); como autonomia intelectual (autonomia em relação a credos religiosos e imposições empresariais) e como autonomia financeira, que lhe permita destinar os recursos segundo as necessidades regionais e locais da docência, pesquisa e extensão. Essa autonomia só terá sentido se: internamente, houver o funcionamento democrático, transparente e público das instâncias de decisão; externamente, se as universidades realizarem, de modo público e em períodos regulares fixados, o diálogo e o debate com a sociedade civil organizada e com os agentes do Estado. Portanto, a Universidade Democrática Popular e autônoma significa um relacionamento estreito entre a universidade e a sociedade.

Qual financiamento? Precisamos de discussão aprofundada e autonomia:
O governo lançou um decreto que institui o projeto "REUNE" que
propõe que as universidades aumentem a relação aluno professor para, no mínimo, 18/01 com um investimento em custeio e pessoal de no máximo 20%, em troca de maiores investimentos.
Contudo, a maior parte das Universidades está em situação calamitosa, principalmente em termos de verba de custeio, o que exige que o MEC estabeleça um plano emergencial, comprometido com investimento substancial para a recuperação e ampliação das universidades.
Fica então o questionamento: Será o projeto Universidade Nova o modelo de Universidades que queremos? Temos autonomia para travar esta discussão? Na UnB, professores, estudantes e técnicos questionam a falta de democracia com que a proposta de Universidade Nova vem sendo apresentada. A reitoria apresenta um falso consenso nesta discussão, através de um marketing irresponsável. Queremos sim a mudança nas Universidades, com radicalização da democracia no acesso e nas instancias de decisão, uma universidade referenciada nas demandas sociais: um novo modelo de Universidade que seja capaz de superar este modelo excludente e conservador, não conciliado.


Bibliografia:Chaui,UniversidadePerspectiva; Proposta de Reestruturação da Arquitetura Curricular da UnB; Seminário “Universidade Nova”, promovido pela Câmara dos Deputados, no dia 17/04/2007.

domingo, 6 de maio de 2007

Venha (Re)construir o Cotidiano!!!



Somos estudantes insatisfeitos com a realidade desta universidade e acreditamos na organização do Movimento Estudantil (ME) como uma forma de atuar pelas mudanças. Queremos construir um novo grupo, unindo diferentes idéias sobre a realidade do estudante, sobre a universidade, a sociedade e o movimento estudantil: de forma transparente, organizada e sem preconceitos.
Existe hoje de um lado, a gestão do DCE, ausente na vida estudantil e que não organiza espaços de discussão e decisão das necessidades dos estudantes, onde somente um pequeno grupo decide, e o estudante quando muito, é apenas informado do pouco que é feito. De outro, uma oposição inconseqüente e sem um projeto para o movimento, que busca apenas discordar e destruir tudo aquilo com o qual não concorda. É necessário construir um grupo político democrático e participativo, com a perspectiva de atuação neste ambiente que é a Universidade, visando não somente as entidades e cargos, mas um projeto político novo, propositivo, cotidiano, realmente transformador e capaz de mobilizar os estudantes.
Nosso desafio é realizar ações de mudança, para fortalecer e principalmente, renovar a atuação estudantil desta universidade para que possamos (Re)construir o Cotidiano da UnB. Venha fazer parte desta idéia.

terça-feira, 1 de maio de 2007

Carta do Direito e Dever de Mudar o Mundo: Paulo Freire


É certo que mulheres e homens podem mudar o mundo para melhor, para faze-lo menos injusto, mas a partir da realidade concreta a que "chegam" em sua geração. E não fundadas ou fundados emdevaneios, falsos sonhos sem raízes, puras ilusões.O que não é, porém, possível é sequer pensar em transformar o mundo sem sonho, sem utopia ou sem projeto.
As puras ilusões são os sonhos falsos de quem, não importa que pleno ou plena e boas intenções, faz a proposta de quimeras que, por isso mesmo, não podemrealizar-se. A transformação do mundo necessita tanto do sonho quanto a indispensável autenticidade deste depende da lealdade de quem sonha ás condições históricas, materiais,aos níveis de desenvolvimento tecnológico, científico do contexto do sonhador. Os sonhos são projetos pelos quais se luta. Sua realização não se verifica facilmente, sem obstáculos.Implica, pelo contrário, avanços, recuos, marchas às vezes demoradas. Implica luta.
Na verdade, a transformação do mundo a que o sonho aspira é um ato político e seria umaingenuidade não reconhecer que os sonhos têm seus contra-sonhos. E que o momento de queuma geração faz parte, porque histórico, revela marcas antigas que envolvem compreensõesda realidade, interesses de grupos, de classes, preconceitos, gestação de ideologias que sevêm perpetuando em contradição com aspectos mais modernos.
Não há hoje, por isso mesmo, que não tenha "presenças" que, de há muito, perduram no clima cultural quecaracteriza a atualidade concreta. Dai a natureza contraditória e processual de toda realidade.Neste sentido então atual o ímpeto de rebeldia contra a agressiva injustiça que caracteriza aposse da terra entre nós, de maneira eloqüente encarnado pelo movimento dos trabalhadores sem-terra quanto a reação indecorosa dos latifundistas, muito mais amparados, obviamente, por uma legislação a serviço preponderantemente de seus interesses, a qualquer reforma agrária, por mais tímida que seja.
A luta pela reforma agrária representa o avanço necessário a que se opõe o atraso imobilizador do conservadorismo. Mas o que é preciso deixar claro é que o atraso imobilizador não é um estranho á realidade. Não há atualidade que não seja palco de confrontações entre força que reagem ao avanço e forças que por ele se batem. E neste sentido que se acham contraditoriamente presentes em nossa atualidade fortes marcas do nossopassado colonial, escravocrata, obstaculizando avanços da modernidade.
São marcas de um passado que, incapaz de perdurar por muito mais tempo, insiste em prolongar sua presença em prejuízo da mudança.Precisamente porque a reação imobilizante faz parte da atualidade é que ela, de um lado, tem eficácia, de outro, pode ser contestada.
A luta ideológica, política, pedagógica e ética a lhe ser dada por quem se posiciona numa opção progressista não escolhe lugar nem hora. Tanto se verifica emcasa, nas relações pais, mães, filhos, filhas, quanto na escola, não importa o seu grau, ou nas relações de trabalho. O fundamental, se sou coerentemente progressista, é testemunhar, como pai, comoprofessor, como empregador, como empregado, como jornalista, como soldado, cientista, pesquisador ou artista, como mulher, mãe ou filha, pouco importa, o meu respeito á dignidade do outro ou da outra. Ao seu direito de ser em relação com o seu direito de ter.
Possivelmente, um dos saberes fundamentais mais requeridos para o exercício de um taltestemunho é o que se expressa na certeza de que mudar é difícil, mas é possível. É o que nos fazrecusar qualquer posição fatalista que empresta a este ou aquele fator condicionante um poder determinante, diante do qual nada se pode fazer.
Por grande que seja a força condicionante da economia sobre o nosso comportamento individual e social, não posso aceitar a minha total passividade perante ela. Na medida emque aceitamos que a economia ou a tecnologia ou a ciência, pouco importa, exerce sobre nósum poder irrecorrível não temos outro caminho senão renunciar a nossa capacidade depensar, de conjecturar, de comparar, de escolher, de decidir, de projetar, de sonhar.
Reduzida á ação de viabilizar o já determinado a política perde o sentido da luta peia concretização desonhos diferentes. Esgota-se a eticidade de nossa presença no mundo. E neste sentido que, reconhecendo embora a indiscutível importância da forma como a sociedade organiza suaprodução para entender como estamos sendo, não me é possível, pelo menos a mim,desconhecer ou minimizar a capacidade reflexiva, decisória, do ser humano. O fato mesmo de se ter ele tornado apto a reconhecer quão condicionado ou influenciado é pelas estruturas econômicas o fez também capaz de intervir na realidade condicionante. Quer dizer, saber-secondicionado e não fatalistamente submetido a este ou àquele destino abre o caminho á suaintervenção no mundo.
O contrário da intervenção é a adequação, a acomodação ou a pura adaptação à realidade que não é assim contestada. E neste sentido que entre nós, mulheres ehomens, a adaptação é um momento apenas do processo de intervenção no mundo. E nisso que se funda a diferença primordial entre condicionamento e determinação. Só é possível, inclusive,falar em ética se há escoIha que advém da capacidade de comparar, se há responsabilidade assumida.E por estas mesmas razões que nego a desproblematização do futuro a que sempre faço referência eque implica sua inexorabilidade. A desproblematização do futuro, numa compreensão mecanicista da história, de direita ou de esquerda, leva necessariamente à morte ou à negação autoritária do sonho, dautopia, da esperança. E que, na inteligência mecanicista, portanto determinista da história o futuro é já sabido.
A luta por um futuro já conhecido a priori prescinde de esperança. A desproblematização do futuro, não importa em nome de que, é uma ruptura com a natureza humana, social e historicamente constituindo-se.O futuro não nos faz. Nós é que nos refazemos na luta para fazê-lo.
Mecanicistas e humanistas reconhecem o poder da economia globalizada hoje. Enquanto, porém,para os primeiros nada há o que fazer em face de sua força intocável, para os segundos não apenas é possível, mas se deve lutar contra a robustez do poder dos poderosos que a globalização intensificou ao mesmo tempo que debilitou a fraqueza dos frágeis.Se as estruturas econômicas, na verdade, me dominam de maneira tão senhorial, se,moldando meu pensar, me fazem objeto dócil de sua força, como explicar a luta política, mas,sobretudo, como fazê-la e em nome de quê?
Para mim, em nome da ética, obviamente, não daética do mercado, mas da ética universal do ser humano,para mim, em nome da necessáriatransformação da sociedade de que decorra a superação das injustiças desumanizantes. E tudo isso porque, condicionado pelas estruturas econômicas, não sou, porém, por elas determinado.
Se não é possível desconhecer, de um lado, que é nas condições materiais da sociedade que se gestam a luta e as transformações políticas, não é possível, de outro, negar a importância fundamental da subjetividade na história. Nem a subjetividade faz,todo poderosamente, a objetividade nem esta perfila, inapelavelmente, asubjetividade.
Para mim, não é possível falar de subjetividade a não ser se compreendida em sua dialética relação com aobjetividade. Não há subjetividade na hipertrofia que a torna como fazedora da objetividade nemtampouco na minimização que a entende como puro reflexo da objetividade.
E neste sentido que sófalo em subjetividade entre os seres que, inacabados, se tomaram capazes de saberse inacabados,entre os seres que se fizeram aptos de ir mais além da determinação, reduzida, assim, acondicionamento e que, assumindo-se como objetos, porque condicionados, puderam arriscar-se como sujeitos, porque não determinados. Não há, por isso mesmo, como falar-se em subjetividade nascompreensões objetivistas mecanicistas nem tampouco nas subjetivistas da história.
Só na história como possibilidade e não como determinação se percebe e se vive a subjetividade em sua dialética relação com a objetividade. E percebendo e vivendo a história como possibilidade que experimento plenamente a capacidade de comparar, de ajuizar, de escolher, de decidir, de romper. E é assim que mulheres e homens eticizam o mundo, podendo, por outro lado, tomar-se transgressores da própria ética.A escolha e a decisão, atos de sujeito, de que não podemos falar numa concepção mecanicista da história, de direita ou de esquerda, e sim na sua inteligência como tempo depossibilidade, necessariamente sublimam a importância da educação.
Da educação que, não podendo jamais ser neutra, tanto pode estar a serviço da decisão, da transformação do mundo, da inserção crítica nele, quanto a serviço da imobilização, da permanência possível dasestruturas injustas, da acomodação dos seres humanos à realidade tida como intocável. Por isso, falo da educação ou da formação. Nunca do puro treinamento. Por isso, não só falo edefendo mas vivo uma prática educativa radical, estimuladora da curiosidade crítica, á procura sempre da ou das razões de ser dos fatos. E compreendendo facilmente como uma tal prática não pode ser aceita, pelo contrário, tem de ser recusada, por quem tem, na maior oumenor permanência do status quo, a defesa de seus interesses. Ou por quem, atrelado aos interesses dos poderosos, a eles ou elas serve.
Mas, porque, reconhecendo os limites da educação, formal e informal, reconheço também a sua força, assim como porque constato apossibilidade que têm os seres humanos de assumir tarefas históricas, que volto a escrever sobre certos compromissos e deveres que não podemos deixar de contrair se nossa opnião éprogressista. O dever, por exemplo, de, em nenhuma circunstância, aceitar ou estimular posturas fatalistas. O dever de recusar, por isso mesmo, afirmações como: uma pena que hajatanta gente com fome entre nós, mas a realidade é assim mesmo.
"O desemprego é uma fatalidade do fim do século." "Galho que nasce torto, torto se conserva." O nosso testemunho,pelo contrário, se somos progressistas, se sonhamos com uma sociedade menos agressiva, menos injusta, menos violenta, mais humana, deve ser o de quem, dizendo não do a qualquerpossibilidade em face dos fatos, defende a capacidade do ser humano de avaliar, de comparar, de escolher, de decidir e, finalmente, de intervir no mundo.As crianças precisam crescer no exercício desta capacidade de pensar, de indagar-se e deindagar, de duvidar, de experimentar hipóteses de ação, de programar e de não apenas seguiros programas a elas, mais do que propostos, impostos. As crianças precisam de terassegurado o direito de aprender a decidir, o que se faz decidindo. Se as liberdades não seconstituem entregues a si mesmas, mas na assunção ética de necessários limites, a assunçãoética desses limites não se faz sem riscos a serem corridos por elas e pela autoridade ou autoridades com que dialeticamente se relacionam.
Recentemente participei de perto da frustração bem, "tratada" de uma avó, minha mulher, que passara vários dias cuidando de sua alegria, a de ter consigo, em casa, Marina, a neta bem-amada. Na véspera do dia esperado, a avó foi cientificada por seu filho que sua neta já não viria. Programara com amigas da vizinhança uma reunião para a criação de um clube de diversões e esportes.
Programando, a neta está aprendendo a programar e a avó não se sentiu negada ou mal querida porque a decisão da neta, com que está aprendendo a decidir, não correspondia a seu desejo.Seria uma lástima se a avó, fazendo "beicinho", expressasse um desconforto indevido em face da decisão legítima de sua neta ou que seu pai, revelando insatisfação, tentasse, autoritariamente, impor à filha que fizesse o que não queria. Isso não significa , por outro lado, que, no aprendizado de sua autonomia, a cnança em geral, a neta,no caso, não aprenda também que é preciso, ás vezes, semnenhum desrespeito á sua autonomia, atender à expectativa do outro.
Mais ainda, é necessário que acriança aprenda que a sua autonomia só se autentica no acatamento à autonomia dos outros.A tarefa progressista é assim estimular e possibilitar, nas circunstâncias mais diferentes, acapacidade de intervenção no mundo, jamais o seu contrário, o cruzamento de braços em facedos desafios. E claro e imperioso, porém, que o meu testemunho antifatalista e que a minha defesa da intervenção no mundo jamais me tornem um voluntarista inconseqüente, que não leva em consideração a existência e a força dos condicionamentos. Recusar a determinação não significa negar os condicionamentos.
Em última análise, se progressista coerente, devo permanentemente testemunhar aos filhos, aos alunos, ás filhas, aos amigos, a quem quer que seja a minha certeza de que os fatos sociais econômicos, históricos ou não se dão desta ou daquela maneira porque assim teriam de dar-se. Mais ainda, que não se acham imunes de nossa ação sobre eles. Não somos apenas objetos de sua "vontade", a eles adaptando-nos mas sujeitos históricos também, lutando por outra vontade diferente:a de mudar o mundo, não importando que esta briga dure um tempo tão prolongado que, ás vezes,nela sucumbam gerações.
O Movimento dos Sem Terra, tão ético e pedagógico quanto cheio de boniteza, não começou agora, nem há dez ou quinze, ou vinte anos. Suas raízes mais remotas se acham na rebeldia dos quilombos e, mais recentemente, na bravura de seus companheiros das Ligas Camponesas que há quarenta anos foram esmagados pelas mesmas forças retrógradas do imobilismo reacionário, colonial e perverso.
O importante porém é reconhecer que os quilombos tanto quanto os camponeses dasLigas e os sem terra de hoje todos em seu tempo, anteontem, ontem e agora sonharam e sonham o mesmo sonho, acreditaram e acreditam na imperiosa necessidade da luta na feiturada história como "façanha da liberdade". No fundo, jamais se entregariam à falsidade ideológica da frase: "a realidade é assim mesmo, não adianta lutar".
Pelo contrário, apostaramna intervenção no mundo para retificá-lo e não apenas para mantê-lo mais ou menos como está.Se os sem terra tivessem acreditado na "morte da história", da utopia, do sonho; no desaparecimento das classes sociais, na ineficácia dos testemunhos de amor à liberdade; se tivessem acreditado que a crítica ao fatalismo neoliberal é a expressão de um "neobobismo" que nada constrói;se tivessem acreditado na despolitizão da política, embutida nos discursos que falam de que o quevale hoje é "pouca conversa, menos política e só resultados", se, acreditando nos discursos oficiais,tivessem desistido das ocupações e voltado não para suas casas, mas para a negação de si mesmos,mais uma vez a reforma agrária seria arquivada.
A eles e elas, sem terra, a seu inconformismo, à sua determinação de ajudar a democratização deste país devemos mais do que ás vezes podemos pensar. E que bom seriapara ampliação e a consolidação de nossa democracia, sobretudo para sua autenticidade, se outras marchas se seguissem á sua.
A marcha dos desempregados, dos injustiçados, dos que protestam contraa impunidade, dos que clamam contra a violência, contra a mentira e o desrespeito à coisa pública. Amarcha dos sem teto, dos sem escola, dos sem hospital, dos renegados. A marcha esperançosa dos quesabem que mudar é possível.

1Esta carta compõe um dos livros que foram editados depois da morte de Paulo Freire,Pedagogia da Indignação. Cartas Pegógicas e outros escritos (Editora UNESP, p. 53-61), organizado por Ana Maria Araújo Freire.2Ver Paulo Freire, Pedagogia da autonomia. Saberes necessários á prática política.