domingo, 30 de setembro de 2007

Próxima reunião: Terça, 17h45! no Anf.10


TEMA: Educação (ensino, pesquisa e extensão).
Vamos iniciar nossas discussões problematizando o ensino superior brasileiro, fazendo uma análise de sua formação atual e qual modelo que queremos e podemos construir.

Segue uma parte de um artigo do Cipriano Luckesi (LUCKESI, Cipriano et al. Fazer universidade: uma proposta metodológica. 10. ed. São Paulo: Cortez, 1998. )



1. A universidade que não queremos

Não queremos uma universidade escola, em que se faça tão somente ensino, onde não exista efetivamente campo, abertura e infra estrutura que permitam e incentivem a pesquisa. Uma universidade sem pesquisa não deve, rigorosamente, ser chamada de universidade. O ensino repetitivo é, geralmente, verbalístico, livresco e desvinculado da realidade concreta em que estamos. As aulas são constituídas por falações do professor e audições dos alunos, normalmente desmotivados. O aprendizado é medido pelo volume de "conhecimentos", informações memorizadas e facilmente repetidas nas provas, nunca refletidas ou analisadas.
Rejeitamos um modelo de universidade que não exercita a criatividade, não identifica nem analisa problemas concretos a serem estudados, que não incentiva o hábito do estudo crítico. Estudar, nesse modelo, é, simplesmente, ler matéria a fim de se preparar para fazer provas, e todo um processo de crescimento intelectual e aprofundamento, em determinada área ou disciplina, fica encerrado com o anúncio da nota ou conceito obtido na prova, O melhor professor é aquele que traz maior número de informações, erudições; o melhor aluno é o que mais fielmente repete o professor e seus eventuais textos nas provas.
Não queremos uma universidade desvinculada, alheia à realidade onde está plantada, simplesmente como uma parasita ou um quisto. Ser alheia, desvinculada ou descomprometida com a realidade é sinônimo de fazer coisas, executar ensino, onde o conteúdo como a forma não dizem respeito a um espaço geográfico e a um momento histórico concretos. Em outros termos, é verbalizar “conhecimentos”, “erudições” sem uma paralela visão do contexto social, real e concreto. É vociferar indistintamente as mesmas coisas ditas na França, Estados Unidos, URSS, Japão etc., sem levar em conta, criticamente, a heterogeneidade de lugar, de cultura, de tempo e das reais necessidades do aqui e do agora. Verdades estudadas há dez, cinco anos passados podem até continuar válidas, hoje, mas o jeito de estudá las, de percebê las é necessariamente novo, porque em dez, cinco, um ano, a realidade muda. Sacralizar verdades, conteúdos e formas é implicitamente apregoar uma mentalidade estática, avessa às modificações, dócil ao status que, bloqueadora de qualquer crise, portanto, contrária ao crescimento, à evolução no sentido de construir um mundo onde o homem seja mais homem, sujeito de um processo e construtor de sua história.
Não queremos uma universidade na qual o professor aparece como o único sujeito, o magister, o mestre que fala, diz verdades já prontas, estruturadas, indiscutivelmente certas e detém os critérios incontestáveis do certo e do errado. O aluno é o ouvinte, o receptor passivo do que é emitido pelo professor mestre; sua função é, portanto, de ouvir, aprender, isto é, memorizar e repetir bem o que lhe é transmitido. Trata se de uma função nitidamente objetificante, porque resta ao aluno objeto pouca ou nenhuma possibilidade de criação, de argumentação, a não ser aquela ditada pelo professor.
Percebemos que esse clima de estudo é objetificante e orientado para uma simples repetição cultural, reprodução de idéias sem qualquer força de criação contínua, de produção nova, uma vez que se bloqueia a fecundidade e o exercício da crítica. :
Não queremos uma universidade onde a direção administração integrante fundamental do conjunto, mas nunca a definição última da universidade surja a partir de organismos e razões outros que não os eminentemente pedagógicos e didáticos, indicada pura e simplesmente pelos donos do poder político e econômico sem a interferência de sua célula básica aluno e professor e aja como se fosse senhora de tudo, o centro da sabedoria e das decisões, à revelia do corpo de professores e alunos.
Em síntese, não queremos urna universidade originada da imposição e meramente discursiva.

2. A universidade que queremos

Queremos construir uma universidade, não uma simples escola de nível superior. Presumimos que, nessa universidade, todo o seu corpo seja constituído por pessoas adultas: todos já sabem muitas coisas a respeito de muitas coisas; portanto, por pessoas capazes de refletir e abertas à reflexão, ao intercâmbio das idéias, à participação em iniciativas construtivas. Nestes termos, todo o corpo universitário, professores alunos administração, precisa comprometer se com a reflexão, criando a provocando a, permitindo a e lutando continuadamente para conquistar espaços de liberdade que assegurem a reflexão, Sem um mínimo de clima de liberdade, é impossível uma universidade centro de reflexão crítica,
Nesse centro buscaremos o máximo possível de informações a todos os níveis, a fim de que a realidade seja percebida, questionada, avaliada, estudada e entendida em todos os seus ângulos e relações, com rigor, para que possa ser continuamente transformada, Buscaremos, ainda, estabelecer unia mentalidade criativa, comprometida exclusivamente com a busca cada vez mais séria da verdade, através do exercício da assimilação não simples deglutição da comparação, da análise, da avaliação das proposições e dos conhecirnentos.
A pesquisa será, em conseqüência, a atividade fundamental desse centro. Todas as demais atividades tomarão significado só na medida em que concorram para proporcionar a pesquisa, a investigação crítica, o trabalho criativo no sentido de aumentar o cabedal cognitivo da humanidade. Uma universidade que se propõe a ser crítica e aberta não tem o direito de estratificar, absolutizar qualquer conhecimento como um valor em si; ao contrário, reconhece que toda conquista do pensamento do homem passa a ser relativa, na medida em que se espacio temporaliza. Há sempre a necessidade de um entendimento novo.
Por conseguinte, formando profissionais de alto nível tecnológico e fazendo ciência, a universidade deve ser o lugar por excelência do cultivo do espírito, do saber, e onde se desenvolvem as mais altas formas da cultura e da reflexão, A universidade que não toma a si esta tarefa de refletir criticamente e de maneira continuada sobre o momento histórico em que ela vive, sobre o projeto de sua comunidade, não está realizando sua essência, sua característica que a especifica como tal crítica. Isto nos quer dizer que a universidade é, por excelência, razão concretizada, inteligência institucionalízada daí ser, por natureza, crítica, porque a razão é eminentemente crítica. Se entendemos a função específica da universidade como desenvolvimento da dimensão de racionalidade, poderemos visualizar o processar se dessa mesma racionalidade em dois momentos complementares: primeiro, a racionalidade instrumental crítica, porque tem a universidade a responsabilidade de formar os quadros superiores exigidos pelo desenvolvimento do país; segundo, a racionalidade crítico criadora, porque sua missão não se esgota na mera transmissão do que já está sabido, ela deve fazer avançar o saber. Criadora e crítica, porque além de tomar consciência continuamente do que faz, deve se colocar num processo permanente de revisão de suas próprias categorias, porque isso marca a historicidade crítica de uma instituição humana; criadora e crítica, porque específico da universidade é o esforço de ser e desenvolver nos seus membros a dimensão de uma consciência crítica, ou seja, aquele potencial humano racional constantemente ativo na leitura dos acontecimentos da realidade, para ver, para analisar, comparar, julgar, discernir e, finalmente, propor perspectivas racionais de ação, em acordo sempre com as exigências do homem que aspira a ser mais, dentro do processo histórico. Para ser consciência crítica, portanto, a universidade deve estar continuamente em interação com a sociedade, a realidade que a gera e sustenta.
Com essas pretensões, queremos construir uma universidade plantada numa realidade concreta, na qual terá suas raízes, para que possa criticamente identificar e estudar seus reais e significativos problemas e desafios.
Queremos uma universidade onde se torne possível e habitual trabalhar, refletir a nossa realidade histórico geográfica nos seus níveis social, político, econômico e cultural, desde a esfera mais próxima, o município, a micro região, o Estado, a região, o país, até as esferas mais remotas, o continente latino americano, o terceiro mundo, o planeta. Estar atentos para os desafios dessa nossa realidade e estudá los é a grande tarefa do corpo universitário.
Queremos, enfim, uma universidade "consciência crítica da sociedade", ou seja, um corpo responsável por indagar, questionar, investigar, debater, discernir, propor caminhos de soluções, avaliar, na medida em que exercita as funções de criação, conservação e transmissão da cultura. A universidade, entretanto, só poderá desempenhar tais funções quando for capaz de formar especialistas para os quadros dirigentes da própria universidade, do município, do Estado, da nação, com aguda consciência de nossa realidade social, política, econômica e cultural e equipada com adequado instrumental científico e técnico que, permitindo ampliar o poder do homem sobre a natureza, ponha a serviço da realização de cada pessoa as conquistas do saber humano. Propondo se a formar cientistas, profissionais do saber, a universidade ajuda a sociedade na busca de encontrar os instrumentos intelectuais que, dando ao homem consciência de suas necessidades, lhe possibilitam escolher meios de superação das estruturas que o oprimem. Podíamos sintetizar as funções da universidade no esforço para imprimir eficácia na ação transformadora do homem sobre si mesmo e sobre as instituições que historicamente criou.15
Queremos produzir conhecimento a partir de uma realidade vivida e não de critérios estereotipados e pré definidos por situações culturais distantes e alheias às que temos aqui e agora, Nesse contexto a validez de qualquer conhecimento será mensurada na proporção em que este possa, ou não, fazer entender melhor e mais profundamente a realidade concreta.
Queremos uma universidade em contínuo fazer se, Não imaginamos um modelo definitivo de universidade, mas pretendemos achar, inventar, conquistar nosso modelo, na medida em que a estivermos construindo. Nesses termos, queremos criar um inter-relacionamento professor aluno, fundamentado no princípio do incentivo à criatividade, à crítica, ao debate, ao estudo e, com isso, marcando a corresponsabilidade na condução do próprio processo. Trata se, portanto, de criar uma relação entre dois sujeitos empenhados em edificar a reflexão crítica: de um lado o professor, sujeito de criação, coordenação, proposição de estudos, questionamentos e debates; de outro, o aluno, sujeito nunca objeto de seu aprendizado, exercitando e desenvolvendo seu potencial crítico, através de um esforço 'inteligente de assimilação, de criação, de questionamento,
Para que um tal clima se faça, é obviamente necessário que o professor esteja sempre bem informado da realidade como um todo, e de sua área de especialização em particular, através do estudo e pesquisa, a fim de que possa proporcionar a seus alunos temas de reflexão concretos, problemas e fontes de estudos, proposições criativas e originais, decorrentes da incessante observação crítica da realidade. Ocasionando o desenvolvimento do potencial de reflexão crítica dos alunos, o professor se torna um motivador do saber. Dessa forma não se trata mais de uma universidade em que um sabe e muitos não sabem, mas em que muitos sabem algo e querem saber muito mais. Enfim, uma universidade onde, além de se consumir conhecimento, professor e aluno optaram por criá lo e produzi lo. É nesse sentido que o CELAM se expressa:

"o educando é o primeiro agente do processo educativo. é ele quem se educa a si mesmo; ao educador compete apenas estimular e ordenar inteligentemente esse processo, de maneira que não seja anulada a espontaneidade e criatividade do educando; pelo contrário, deve chegar a expressar em forma autenticamente pessoal o seu conteúdo".16

Enfim, cabe ao professor educador descobrir, efetivamente, como ser sujeito em diálogo com a realidade, com o aluno; ao aluno, fazer se sujeito em diálogo com o professor, com os demais companheiros com a realidade social, política, econômica e cultural, para que nessa busca de interação seja construída a universidade, que jamais poderá existir sem professor e aluno voltados para a criação e construção do saber engajado, por isso transformador.
Queremos uma universidade democrática e voltada inteiramente para as lutas democráticas. O corpo universitário, professor aluno e administração, necessita de espaço para assumir, cada um a seu nível, a responsabilidade: pelo todo. É nesses termos que pretendemos um corpo universitário que lute para eleger seus diretores a partir de critérios que correspondam aos objetivos da Universidade. Um corpo universitário não mais deve presenciar passivamente a nomeação de dirigentes universitários estribada em critérios antidemocráticos de simpatia, serviçalismo e subserviência ao poder dominante, político ou econômico.
Queremos, enfim, uma universidade onde possamos lutar para conquistar espaços de liberdade. Enquanto pensamos livremente, questionamos livremente, propomos livremente e livremente avaliamos a nossa responsabilidade.


Nos vemos na terça (2/10) às 17:45 no Anf. 10!

Nenhum comentário: